Sou do tempo, em que os homens morriam como vinham ao mundo.
Com mais ou menos pêlo, barba rija ou quase imberbes.
Conheciam-se pelo olhar e pelo sobrolho.
O Torga, por
exemplo, de olhar profundo e sobrolho carregado, não fosse ele transmontano dos
sete costados e alguns pecados, não escondia ser seco como o bacalhau miúdo e
rude como as pedras do Alto Douro.
O Eça, esse, tinha olhar de óculo
telescópico, capaz de ver, como poucos, as profundezas do carácter da gente que
então punha e dispunha e que ele, magistralmente, descompunha.
O Eugénio era mais
polido, de olhar poético, sobrolho angélico, poesia depurada e despudorada, de
mar a menos e (a)mar a mais.
Nesse tempo, era o olhar e o sobrolho que definiam os homens
de então.
Agora, agora está tudo mudado. Definitivamente, estou cada vez mais
“cota” e démodé. E quando me perguntam o que é que eu nunca conseguiria ser, a
resposta sai rápida e sem hesitações: consultor de imagem.
Já viram bem o que é manter o Seguro com o sorriso de placa dentária,
Portas à cata do camera-man mais próximo, evitar que Cavaco mastigue de boca
aberta ou que Passos seja tenor apenas no duche? Não deve ser nada fácil.
Mas o que me deixa mesmo verdadeiramente constrangido, é a
questão da sobrancelha. É o must dos últimos tempos. Na TV, não há comentador,
jornalista ou convidado que não passe, obrigatoriamente, pelo atelier de pintura de sobrancelhas e
sobrolhos.
Será que no curriculo vitae, tipo Europass, é condição sine qua non para ser televisto, constar
que “aceito que me pintem a sobrancelha”.
Se sim, a minha carreira audiovisual acabou antes de ter começado. Não me sujeitaria
ao disfarce, a troco de um minuto de fama. Mesmo que me dissessem que ficaria
bem aquele tom castanho-chocolate ou preto- pérola a condizer com o cabelo agrisalhado.
Que me desculpem os meus amigos que aderiram à moda. Mas no
meu tempo, eram as mulheres que, com razão e muita coragem, lutavam pela ida ao
cabeleireiro e pelo uso da calça de ganga. Agora somos alguns de nós que nos
concertamos nas cadeiras da pose, de sobrolho travestido e olhar comprometido.
Mesmo com olhar carregado e de sobrolho selvagem, prefiro o azedume
do Torga ou a ironia queirosiana. Ora essa...
adelino pires | alfarrabista, 15 agosto
2014