18.8.14

A tradição já não é o que era...

Sou do tempo, em que os homens morriam como vinham ao mundo. Com mais ou menos pêlo, barba rija ou quase imberbes.

Conheciam-se pelo olhar e pelo sobrolho. 

O Torga, por exemplo, de olhar profundo e sobrolho carregado, não fosse ele transmontano dos sete costados e alguns pecados, não escondia ser seco como o bacalhau miúdo e rude como as pedras do Alto Douro. 

O Eça, esse, tinha olhar de óculo telescópico, capaz de ver, como poucos, as profundezas do carácter da gente que então punha e dispunha e que ele, magistralmente, descompunha. 

O Eugénio era mais polido, de olhar poético, sobrolho angélico, poesia depurada e despudorada, de mar a menos e (a)mar a mais.

Nesse tempo, era o olhar e o sobrolho que definiam os homens de então.

Agora, agora está tudo mudado. Definitivamente, estou cada vez mais “cota” e démodé. E quando me perguntam o que é que eu nunca conseguiria ser, a resposta sai rápida e sem hesitações: consultor de imagem.

Já viram bem o que é manter o Seguro com o sorriso de placa dentária, Portas à cata do camera-man mais próximo, evitar que Cavaco mastigue de boca aberta ou que Passos seja tenor apenas no duche? Não deve ser nada fácil.

Mas o que me deixa mesmo verdadeiramente constrangido, é a questão da sobrancelha. É o must dos últimos tempos. Na TV, não há comentador, jornalista ou convidado que não passe, obrigatoriamente, pelo atelier de pintura de sobrancelhas e sobrolhos.

Será que no curriculo vitae, tipo Europass, é condição sine qua non para ser televisto, constar que “aceito que me pintem a sobrancelha”. Se sim, a minha carreira audiovisual acabou antes de ter começado. Não me sujeitaria ao disfarce, a troco de um minuto de fama. Mesmo que me dissessem que ficaria bem aquele tom castanho-chocolate ou preto- pérola a condizer com o cabelo agrisalhado.

Que me desculpem os meus amigos que aderiram à moda. Mas no meu tempo, eram as mulheres que, com razão e muita coragem, lutavam pela ida ao cabeleireiro e pelo uso da calça de ganga. Agora somos alguns de nós que nos concertamos nas cadeiras da pose, de sobrolho travestido e olhar comprometido.

Mesmo com olhar carregado e de sobrolho selvagem, prefiro o azedume do Torga ou a ironia queirosiana. Ora essa...





                        adelino pires | alfarrabista, 15 agosto 2014

A chaga das sagas

Ah ganda facebook, sem ti não seria o mesmo. A minha auto estima nunca esteve tão alta.

Sou convidado para todas as sagas. É o candy crush, o farm heroes e o criminal case. E também o pengle, o lucky slotes e, até no bubble wittch querem que eu faça uma perninha.

Nunca joguei, não faço a mínima de como isso se faz, mas não deixam de me convidar. Talvez julguem que tenho jeitinho para aquilo, eu que nem para a carica me ajeitava. Pior mesmo, só os convites para as secretas, o bloco central, ou para o grupo de amigos do chinquilho, do zumba ou do lince da serra da malcata.

Estas sagas são uma chaga.

E como se isso não bastasse, ainda há mais: os amigos que talvez conheças, os que nunca conheceste e os que virás a conhecer. As curiosidades, intimidades e algumas obscenidades. As vendas encapotadas, as prendas empacotadas, as vistas bem decotadas.

E, também para os saudosistas, os colegas da faculdade, agora já com outra idade, com quem postas à vontade. E na tua cronologia, as tias que há muito não vias. E as fotos das caraíbas, do tahiti ou de pucket. 

Porquê? Faz de conta que lá foste, dás uma de jet-set e contigo alguém se mete.

Enfim, sem o fb, nada disto acontecia. Era tudo mais cinzento, perdiam-se amores, pudores ou rancores. Mas não se teriam tantos amigos, gostos e partilhas.


Apesar de tudo, aqui fica uma humilde declaração: se não aceito os convites para a chaga das vossas sagas, assumo, com fair-play, que também não leiam as chatas das minhas crónicas. 

Humor com humor se paga.



                                                                      adelino pires | alfarrabista, 8 Agosto 2014

A ciência da impotência

Há alguns anos, não muitos, o negócio da indústria farmacêutica inventou mais uma slot-machine: o comprimido azul, o tal que dizem fazer milagres quando a “fé” nos começa a faltar. 
Sinceramente eu, como agnóstico, não sofro de crises doutrinárias e, não será por mim que os laboratórios se alimentam.

Vem isto a propósito de outro tipo de impotência, bem mais grave e preocupante, e para a qual não há ciência que a resolva, ou a queira resolver. Falo-vos da impotência das lideranças políticas mundiais, perante as tragédias do médio oriente ou da Ucrânia.

A indiferença crescente com que assistimos da mesma forma, a um massacre na faixa de Gaza ou ao sorteio do euromilhões, é perigosa e preocupante.

Bem sei que a história da humanidade está cheia de paradoxos. Que o que sobra a alguns, faltará a muitos mais. Que nós por cá, habituados à neutralidade histórica, somos, na política internacional, cada vez mais um zero à esquerda, salvo seja.

O que se passou recentemente, com a entrada da Guiné equatorial na CPLP (supostamente a Comunidade de Países de “Língua Portuguesa” e não do “Lado do Petróleo”), é bem o exemplo de que, cada vez mais, os interesses económicos se sobrepõem aos valores da ética e da moral.

Com o alto patrocínio dos países mandantes (Angola e Brasil), foi pungente assistir a Xanana Gusmão de mão dada com o ditador Obiang. Sim, o mesmo Xanana que há vinte anos lutava contra o invasor Indonésio, e por quem todos acendemos uma velinha em cordões humanos de solidariedade irrepetível. Tudo isto com Cavaco e Passos a mastigar em seco e Dilma e Eduardo dos Santos a assobiar para o lado.

Feito o diagnóstico (impotência das lideranças políticas e económicas), resta-nos a terapêutica adequada. 
Três comprimidos coloridos por dia: em jejum, tomar o verde-esperança, na dose certa; ao almoço, o branco-paz, para que o cessar fogo se mantenha; ao deitar, o azul-alerta, porque resistir é preciso.

(nota: em caso de permanência dos sintomas, resta-nos mudar de planeta)




                      adelino pires | alfarrabista, 29 julho 2014

Os portugais de Portugal

Com o Verão e a chegada dos emigrantes, mais se acentua a diversidade entre os portugais de Portugal. 

Sem regionalismos excessivos, sabemos bem que é diferente ser-se do norte ou do sul, urbano ou provinciano, continental ou insular.

No Minho, Beiras e Trás os Montes, não há lugar ou freguesia que não festeje o padroeiro. Orgulhosamente, os mordomos vestem-se a rigor e as festas e romarias daquelas gentes, são lugares de encontros, reencontros e saudades, mortas com a chouriça e o caneco.

Ao invés, mais a sul, o tempo é de praia, de festivais de verão, onde o bronzeado e a tatuagem, desfilam em passerelas de vaidade. 
                                                             
Nas grandes cidades, os cruzeiros e os low-cost, fizeram de Lisboa e Porto capitais do turismo enlatado, entre um faducho inspirado e um bom cálice de “três velhotes”.

Mas seja aqui ou acolá, não fazemos a coisa por menos. 
Há sempre algo que nos une, que nos distingue dos “camones, chinocas e afins”. A sardinha, o bacalhau e o vinho do Porto, o Zé Povinho e o galo de Barcelos, são nossos e só nossos, e onde há um português, lá estão eles. São a nossa imagem de marca, estão presentes nas mesas fartas, recheiam as lojas de “souvenirs” e têm na sua essência uma história de trabalho e sofrimento.

Na sardinha e no bacalhau, fiel amigo e cozinhado de mil maneiras, se homenageia a coragem dos pescadores do atlântico ou dos dóris da Terra Nova.

Nos socalcos do Douro, feitos com o suor das gentes do norte e da galiza (daí virá o “trabalhar que nem um galego”), se produz aquele que, “very british” é, sem dúvida, um dos mais chics vinhos do mundo.

Na lenda do galo de Barcelos, se revê a justiça popular, quando o acusado, injustamente condenado à morte, fez com que o galo do repasto do juiz, ressuscitasse do banquete e cantasse alto e bom som a sua inocência.

E já secular mas ainda actual, a sabedoria popular eternizou para sempre o génio de Bordalo Pinheiro. 
Afinal, o Portugal dos portugais, hoje mais que nunca, bem precisa de dez milhões de “Zé Povinhos”. Ora toma! ...



                                                         adelino pires | alfarrabista, 22 Julho 2014

Um, dois, três, foi a conta que BES fez...

Antes de mais, como agora se diz, uma declaração de interesses: não tenho dinheiro no BES. Aliás, não tenho dinheiro.

Acho que mesmo que se o tivesse, não o teria no BES. 
Não me perguntem porquê, mas talvez porque não me tenham convidado para a campanha publicitária, eu que nada fico a dever à D. Inércia. Aliás, quem me conhece, sabe bem que quase nunca saio do mesmo sítio, a inércia tomou conta de mim, ali para os lados do centro histórico.

Apesar de tudo, confesso algum fascínio pelos “Espírito Santo”. Eles foram, deixaram de ser e voltaram a sê-lo. Poucos se poderiam orgulhar de tanto. Aquela pose, aquele toque, aquele savoir-faire, não é para todos. Apenas para alguns eleitos, não os dos votos, mas para alguns devotos do grupo.

Não só por isso, mas também por isso, oh Ricardo, não havia necessidade. Deixaste que o “espírito-santo de orelha” se propagasse, que o Ricciardi se zangasse e tu, mantendo a postura e a compostura, não fizeste como o Juan Carlos que abdicou, antes que dele abdicassem.

E ainda por cima, agora puseram um Bento no Espírito Santo. Oh, homem, não achas milagre a mais?

Sabes o que te digo, eu cá no teu lugar, pirava-me daqui. Talvez para o Brasil, que aquilo por lá, entretidos como eles andam, nem davam pela tua chegada. E sempre tinhas uma vida mais tranquila, a tratar do gado, com outro tipo de acções e menos obrigações.

E com a idade que tens, mesmo que precises de mais uns trocos, deixa-te de histórias e escreve as memórias.

Por mim chamava-lhes “Um, dois, três, foi a conta que o BES fez” ou, se preferires, “Ricardo, coração de leão”. 
Desde que continues a pagar as quotas em Alvalade.



          adelino pires | alfarrabista, 14 Julho 2014

Yes, we QREN!

Ora aí está! Depois das especiarias dos descobrimentos, do ouro do Brasil, das remessas dos emigrantes e dos fundos comunitários, eis que aí vem mais uma enxurrada de milhares de milhões de euros.

Tentei ler as 289 páginas do novo QREN, o chamado “Portugal 2020”. Desisti rapidamente. Apesar de tudo, sempre é menos complicada a leitura do Ulisses do James Joyce ou mesmo do Tratado das Paixões da Alma  do Lobo Antunes.

Haverá quem diga que, conceptualmente, o documento é quase perfeito, que é necessária uma visão estratégica, que o que importa é quem exporta, que a Europa é fixe e o portuga que se lixe, bla, bla, bla...
Tenho para mim, que é mais do mesmo, uma prosa já lida, um filme já visto, um resultado viciado.

No tempo da outra senhora, havia informação a menos, agora fabrica-se informação a mais.

Alguém acredita que as pequenas e médias empresas irão ler um texto tão longo como um livro do José Rodrigues dos Santos? É óbvio que, para a esmagadora maioria de nós, ou seja, para o País real, trata-se de um inenarrável documento para ninguém ler, por forma a que alguns lobbies bem posicionados e relacionados, chamem a si a carne do lombo de mais um bodo aos pobres, perdão, aos nobres.

O texto poderia ser mais preciso e conciso, mais concreto e objectivo?
Poder podia, mas não era a mesma coisa. Se o fosse, toda a gente o lia, o percebia e lá se iria o bem-bom das consultorias, advocacias e outras especiarias.

Enfim, para que não me acusem de só criticar, aqui vai uma sugestão. Apenas uma, objectiva e concretizável, assim haja vontade política, porque verbas pelos vistos não faltarão:

Chega de projectos megalómanos para os quais se exigem (e pagam) múltiplos estudos, grandes investimentos, muitos licenciamentos e pouco ou nenhum retorno.

Invista-se no País real,  na reabilitação dos centros históricos das pequenas e médias cidades. Para isso, temos tudo o que é preciso: equipamentos e materiais, competências técnicas e recursos humanos. Já se imaginou o emprego gerado envolvendo milhares de pessoas na recuperação dos edifícios degradados e na requalificação dos espaços públicos, a fazer girar a economia local?

Por mim, já sonho com a lufa lufa dos edifícios em reconstrução e reabilitação. Com reuniões de obra entre pedreiros e arquitectos, engenheiros, carpinteiros e pintores, de mangas arregaçadas por uma boa causa. Com o pulsar da gente mais nova procurando novo conforto nas velhas casas. Com o aconchego dos mais velhos que ainda lá vivem, mais felizes e menos sós. Com as lojas com clientes lá dentro e sem as empregadas lá fora. Com as praças e as ruas mais vividas e as crianças mais alegres e divertidas.

Enfim, sonho com o deserto no sítio certo e não na desertificação dos oásis que foram os centros históricos de antigamente.

Se é para pensar no País real, yes we QREN. Sim nós queremos!


                                              
                                                                            adelino pires | alfarrabista, 7 Julho 2014


Traumatismo (U)craniano...

Esta foi uma semana de traumatismos. Incomparáveis no tempo, comparáveis na dor. É assim a mediatização dos dias que correm.

Começou mal a semana. Com a estúpida morte do André, filho da Judite e do Pedro. Sim, porque como alguém escreveu algures, ele também tinha pai.

A perda de um filho será sempre a dor maior. Por estes dias, decerto outros pais terão perdido outros filhos. Não sei como se lida com uma tragédia assim. Dizem que, para quem cá fica, a vida continua, mas, estou seguro, que a morte continuará também.

Por vezes, parte primeiro quem deveria partir depois. É a natureza do avesso.

Incomparável no tempo, mas comparável na dor, comemorou-se também, o centenário dos acontecimentos que precipitaram a I Grande Guerra. 
Foram milhões os que perderam a vida, pais que perderam os filhos, filhos que perderam os pais, nações que perderam o rumo.

Esquecemo-nos, por vezes, que na primeira metade do passado século, duas Guerras na Europa devastaram países, destroçaram famílias, dizimaram futuros. E a Ucrânia aqui tão perto...

Nestes cem anos o mundo mudou. 
Afogámo-nos em tecnologia, investigação e desenvolvimento. A medicina da intuição e do estetoscópio deu lugar à ciência da ressonância. A pedagogia da palmatória é hoje um manual de instruções para pais e professores de meninos mimados. O automóvel substituiu a carroça e o burro. Ou, talvez, apenas a carroça. E na justiça, a razão de ontem é o cifrão de hoje.

É verdade que nestes cem anos o mundo mudou. 
Mas, apesar de tudo, continua a bastar um descuido na piscina ou um traumatismo (u)craniano para mudar uma vida ou milhões delas. 
Hoje, como ontem, todo o cuidado é pouco.



adelino Pires | alfarrabista, 30 Junho 2014

Penso, logo exausto...

Há algum tempo, com a criatividade que nos caracteriza,  o “penso, logo existo” de Descartes, foi adaptado ao anedotário português como “penso, logo exílio” de Estaline, ou “penso, logo exijo”, do Prec.

Confesso que, como bom alentejano, sempre me agradou mais o “penso, logo exausto”.

Era assim uma sensação de sesta depois de um repasto de boas leituras, fossem contos do Manuel da Fonseca, poesias da Florbela ou até mesmo ensaios do Ruben A.

É que o problema de hoje não é da exaustão, mas do pensamento, ou antes, da falta dele.

Não é que se não vá ao ginásio, nem sou contra uma boa sessão de hidroterapia. Mas essa história do fitness, running, training e coisas assim, faz-me alguma confusão.

Podem continuar a muscular-se e a produzir-se, mas, por favor, quem nunca o fez, experimente ler um pouco, pensar outro tanto e voltar a ler.

Dispensem os best-sellers e escolham autores portugueses. Dos que escrevem, não dos que editam. Assim tipo, Aquilino ou Vergílio Ferreira, Sophia ou Eugénio de Andrade, Torga ou Pascoaes. Para já não falar de Camões, Camilo, Eça ou Pessoa.

E, já agora, experimentem também, uma vez por semana, aí em casa, ler em voz alta. De uns para os outros. Experimentem, partilhem. E mesmo quem está sózinho, tente ouvir-se a si próprio.

Garanto-vos que irão gostar. E com o tempo, as tvs perderão audiência, a net sofrerá um rombo, mas todos nós ficaremos menos exaustos, mas mais felizes. Porque lemos mais, pensamos melhor e, pasme-se, até já falamos uns com os outros.

Mesmo que só através dos livros.



adelino pires | alfarrabista, 24 junho 2014

O Jubilado

Lembro-me de, em meados dos anos 80, se falar do regresso a Portugal de uma sumidade portuguesa na neurocirurgia. Lembro-me bem da chegada de João Lobo Antunes, após muitos anos de permanência nos EUA.

Não cheguei a ser seu aluno, nunca com ele falei, mas sempre me fascinou.

É uma daquelas figuras de dimensão superior. Em que a genética e o talento, com uma profunda devoção à causa e muito, mas muito trabalho, só poderiam resultar num exemplo de excelência.

Nascido numa família da burguesia urbana de Lisboa, João Lobo Antunes licenciou-se em Medicina com uma média superior a 19 valores, passou vários anos nos EUA e regressou a Portugal em 1984. Médico de primeira água e Professor exemplar, fez muito e bem. Foi reconhecido e, por diversas vezes, justamente premiado.

Na véspera da jubilação, na sua última aula, escolheu como tema “Uma vida examinada”. E revisitou-se, falando do tempo, da educação e do sentido da vida. Foi brilhante, uma vez mais.

Há dias, em entrevista ao jornalista António José Teixeira, João Lobo Antunes, falou com a serenidade do mestre  e a lucidez do sábio.

Retive duas ou três frases modelares: 
que sempre o impressionou o facto de num país rico (EUA), se desperdiçar menos que num país de parcos recursos (Portugal); 
que na medicina, é fundamental conhecer o doente que tem a doença e, não apenas, a doença que o doente tem; 
que o consenso mata o compromisso, mas sem compromissos hipotecamos o futuro.

Num momento em que nos faltam elites de referência, não nos podemos dar ao luxo de ver jubilar os melhores e ver partir os mais novos e mais qualificados.

Citando Camões, “o fraco rei faz fraca a forte gente”. 

Não foi o caso de João Lobo Antunes, a quem a Medicina tanto deve e com quem os seus alunos tanto aprenderam.

Resta-me continuar atento, lendo o que escreve, ouvindo o que diz.



Adelino Pires | Alfarrabista, 17 Junho 2014

Futuro medieval

Se dúvidas houvesse, está tudo esclarecido. Temos futuro... no passado.

Durante o Estado Novo, entretinha-se o pagode com a política dos três F’s (Fátima, Futebol e Fado). Com a mente ocupada pelo trabalho do dia a dia e de sol a sol, sobrava o domingo para arejar o fato, comungar na missa e ouvir o relato da bola em onda média, de rádio colado ao ouvido.

Nos tempos de hoje, pouco mudou. A devoção popular e o marketing do Santuário, continuam a sustentar o milagre. Ronaldo e companhia, entre dois pontapés e um golo, vendem jornais e lideram audiências e até o Fado já tem museu, onde muito se conta e ainda se canta.

A alienação de ontem é o entretém de hoje. A mente continua ocupada, seja com o trabalho ou com a falta dele. Comunga-se menos, excomunga-se mais, mas os três F’s continuam em grande, sintonizados agora com as FM (Feiras Medievais).

Quem passou por Torres Novas no passado fim de semana, ficou a perceber que, afinal, temos futuro... no passado, medieval.

O que levará milhares de pessoas a sair de casa, rumando às memórias da História, ninguém sabe. Sim, porque estivemos lá todos. Pobres, quase ricos e remediados. Governantes e governados. Esquerda, direita e antes pelo contrário. Maioria absoluta.

Não há luz ao fundo do túnel? Vingamo-nos na bifana e na sangria, vestimo-nos à época e assumimos a pose. De cavaleiro ou de frade, de princesa ou camponesa, tanto faz.

Não se vislumbram perspectivas no futuro? Encontremos referências no passado. Sejamos alcaides por um dia, que diabo.

Depois, depois lá regressaremos aos nossos ofícios e lavouras, ao sofá e às novelas, esperando que o Ronaldo marque e que a Marisa cante.

É assim o nosso fado. Viver dos três F’s, até à próxima FM. Em boa sintonia.

                                                                                                           

                                                                                             Adelino Pires | Alfarrabista, 10 Junho 2014

Foi bonita a festa, pá!

Assisti, no passado domingo, a mais um momento alto de uma das mais antigas e importantes Instituções da cidade: as comemorações do 152º aniversário do Montepio de Nª Senhora da Nazaré de Torres Novas.

Do que lá se passou, seguramente que outros falarão. Do que eu senti, aqui vos deixo o meu testemunho.

Senti que, num momento em que tudo é tão efémero, se torna cada vez mais importante a afirmação e consolidação de Instituições de referência, que fazem da protecção social e da defesa da dignidade humana a sua linha de conduta.

Senti, como referiu o Presidente da Direcção, Dr. Carlos Trincão Marques, a quem a Instituição tanto deve, que o dirigismo associativo é a mais nobre forma de dirigismo e deveria ser uma escola e um exemplo para todos os que têm funções dirigentes.

Senti, na merecida homenagem póstuma a Amélia Pinheiro, através de uma exposição da sua obra no salão nobre do Montepio, a saudade de muitos dos seus amigos.

Senti, no justíssimo reconhecimento institucional e público ao João José Lopes (João Hespanhol), a dimensão da sua estatura cívica e moral. Respeitado por todos, o mais antigo comerciante da cidade e uma referência no dirigismo associativo, deixou todo o auditório da Biblioteca, com um brilhozinho nos olhos.

E, finalmente, senti e percebi que o mutualismo é partilha. Que há coisas que têm valor e não têm preço. Que o mais importante são as pessoas. E que são as boas pessoas que consolidam as boas Instituições.

Uma palavra de gratidão aos “La Fontinha”. A sua tocante e envolvente participação foi a cereja em cima do bolo, feito com uma pitada de arte e cultura,  solidariedade e altruísmo q.b., e muita e boa música, portuguesa, concerteza.

Porque foi tudo isto que senti, foi bonita a festa, pá!



Adelino Pires | Alfarrabista, 2 Junho 2014

Parlapié Europeu

Houve eleições para o “Parlapié Europeu”, que é assim como que o prémio de consolação para alguns políticos frustados, cansados ou que passaram ao lado duma grande carreira e, como tal, ficam do lado duma boa carteira.

Em Portugal, dos 10 milhões de habitantes e, ao que dizem, mais de 9 milhões de eleitores, apenas votaram 3 milhões de pessoas. Pouco mais de 30%.

O PS e o PSD/CDS, terão tido, em conjunto, 60% dos votos dos eleitores que votaram, ou seja, apenas 20% de todos os que o poderiam fazer.
Dizendo doutro modo, dois em cada três eleitores não votaram e apenas, dois em cada dez portugueses votaram nos chamados “partidos do arco da governação” (PS, PSD/CDS).

Vamos ser claros, temos sido (des)governados, alternadamente, por uma minoria dominante e não por uma maioria qualificada como nos querem fazer crer.

A maioria, essa sim, é a dos portugueses que, entre o que se lhes oferece, pode não saber o que quer, mas, decididamente, não quer o que já sabe de cor.

É o rotativismo do século XXI. Tal como o do século XIX, na sequência da revolução liberal e da regeneração, a que se seguiu a agonia da monarquia, o regabofe da 1ª república, e uma ditadura, supostamente para pôr a casa em ordem, mas que, afinal, deu no que deu.

Desta vez, este rotativismo parece ter os dias contados e as próximas legislativas prometem.

É tempo do xadrez político ser jogado com outras peças. Sem torres, bispos ou cavalos, mas, sobretudo, sem reis nem rainhas vassalos da Prússia.

Agora sim, é tempo dos peões assumirem o xeque-mate!



Adelino Pires | Alfarrabista, 26 Maio 2014

Carlos Reis e Roque Gameiro

Comemorou-se, no passado domingo, o Dia Internacional dos Museus.

Muitos são os dias disto, daquilo e daqueloutro sem qualquer significado, a não ser engrossar a lista de efemérides comerciais.

Não foi o caso deste. Enchi-me de brios e fiz duas visitinhas para assinalar o dia: ao Museu Carlos Reis, aqui em Torres Novas e ao Museu da Aguarela Roque Gameiro, em Minde, a dois passos daqui.

É um privilégio termos na região, num raio de poucos kms, dois espaços que muito têm em comum:
Dois belíssimos edifícios, apalaçados e bem conservados; duas belíssimas colecções de pintura, para deleite de quem dela gosta; dois pintores que se cruzaram no tempo, entre meados dos séculos XIX e XX.

Ambos nasceram no interior, seguiram para Lisboa, viajaram e estudaram na Europa e regressaram ao seu país.

Carlos Reis, torrejano ilustre, discípulo de Silva Porto e figura cimeira da segunda fase do naturalismo, com uma obra invejável na paisagem, nos costumes e no retrato.

Roque Gameiro, natural de Minde, que não podendo ser marinheiro por ver mal ao longe, se tornou num verdadeiro mestre da aguarela, inigualável no rigor e no pormenor, por, como o próprio dizia, ver bem demais ao perto.

Este ano, o dia foi celebrado internacionalmente sob o lema “Colecções criam Conexões” e, tanto o Museu Carlos Reis e como o Caorg (Centro de Artes e Ofícios Roque Gameiro), souberam interpretar o sentido do dia.

Foi bonito ver o Charales Chorus de Minde no Museu de Torres Novas, como soube bem ser recebido por Roque Gameiro no Museu da Aguarela (numa notável encenação), que nos guiou ao seu mundo pictórico e inolvidável.

Obrigado Carlos Reis e Roque Gameiro pelo legado que nos deixaram.
E, para quem não conhece, aqui fica a sugestão em bom minderico:  “Classe da borra regatinhada de Mestre Migança”.



Adelino Pires | Alfarrabista, 20 Maio 2014

Cartas escrevidas...

Que saudades das cartas escrevidas.

Cartas vividas, sentidas, escritas à mão e com o coração.
Em papel manteiga, tinta permanente e permanentemente nostálgicas, a deixar quem as recebia com um brilhozinho nos olhos.

Era o "...espero que esta te encontre de boa saúde na companhia dos teus que eu fico bem graças a deus e também ao calo que agora já não me dói..." e acabavam, invariavelmente, com o "... despeço-me até às festas da aldeia, beijos e abraços a  todos e à vizinha Etelvina, coitadinha, deve estar tão velhinha, mas lembro-me sempre dela..."

Podiam começar e acabar sempre da mesma maneira, mas pelo meio, as pessoas escreviam e amavam muito. E as palavras tinham as letras todas.
Agora com os sms's e ppp's comem-se as vogais, consoante os dedos que dedilham essas máquinas que nunca erram mas pouco acertam, copy past e passa à frente, que tenho mais que fazer. E sem vogais não há poesia.

E também esta coisa do Saramago não pôr pontos nem vírgulas e ainda assim ganhar os prémios, baralha a gente. E mais o acordo ortográfico, brasileiros duma figa.

Enfim, é o tempo ou a falta dele.
A gente corre, corre e não chega a lado nenhum.
A gente não escreve, não lê, e um dia, quando alguém nos amar muito e nos escrevinhar cartas de amor, a gente engole em seco e não responde, porque as máquinas de agora, não sentem, não choram, nem amam.
E a gente não sabe escrever assim, à mão e com o coração.

Por mim, vou continuar como dantes. Com beijos e abraços a todos, mesmo à vizinha Etelvina, que deus já lá tem, coitadinha.




adelino pires | alfarrabista | 12 maio 2014

Troika o Passo(s)...

Não fui à tropa.

Não porque não quisesse, mas porque não me quiseram. 
Achavam que havia muitos, depois de muito tempo acharem que havia poucos.

Não aprendi  o “esquerda, direita, em frente marche!”

Havia quem o fizesse na perfeição, alinhadinho, aprumadinho, sem pestanejar.

Agora, os mandantes, são uns troika o Passo(s).  A passos largos.
Desajeitados, desaprumados, nem sequer fizeram a recruta.

Uns, trabalhinho feito,  batem à sola. Outros, os que cá ficam, batem a pala à generala. E a malta salta, angela, olé!

Até quando? Isto ainda aguenta, diz o banqueiro. Aperta mais um furinho, diz a Luiz.

É assim a “democradura”: meio democracia, meio ditadura.

Ó povo, povão, chama aí um capitão, senão...

E o povo bota o voto no caixote, vira o disco e toca o mesmo.

Eu, que não fui à tropa, não lhes faço continência. Paciência.


adelino pires | alfarrabista | 6 de Maio de 2014

Gente miúda com mente crescida


Isto de se ser alfarrabista no centro histórico de uma pequena cidade de interior, vale mais pelo que se vive, do que propriamente pelo que se vende. Mas vive-se muito.

Desde quem passa e ainda não conhece, até mesmo, valha-nos isso, a quem conhece e por isso passa, cruzamo-nos com muita gente boa:
os habituais, passageiros frequentes de pesquisa e dois dedos de conversa, os de vez em quando, que matam saudades da terra e metem leitura no saco, e ainda os outros, que vêm quando o rei faz anos o que, em tempos republicanos, percebe-se a falta que fazem.

Apesar de tudo, não me queixo. Gosto do que faço, tento fazer o que gosto, mesmo que pouco faça, que isto da crise e da conjuntura não nos deixa fazer mais.

Mas a verdadeira recompensa é mesmo, quando me entra pela porta, a gente miúda com mente crescida. Chamo-lhes os meus meninos, tenho-lhes um grande carinho e, sobretudo, admiro-os muito. Com tantas tecnologias e outras tantas tentações, ainda encontram tempo e paciência para um passeio no alfarrabista.

Pela companhia que me fazem e por aquilo que com eles aprendo, aqui lhes deixo uma palavra de gratidão.

Ao Hugo e à sua paixão pela História, que com 11 anos apenas  e sempre acompanhado pela mãe, mergulha nos alfarrábios antigos como o Macnmara nas ondas da Nazaré.

À intelectualidade do Afonso, aluno de excelência e leitor com frequência, pachequiano quase convicto, meio alquimista-meio anarquista...

À perspicácia do João, das coisas do Estado Novo às coisas em estado velho...
À militância do Francisco, leitor de todos os ismos, porque a luta continua!
E por fim, à ausência da Inês Pereira, primeira na demanda de partituras antigas e primeira a partir, cedo demais.

Eles representam o que de mais puro tem o alfarrabismo: a procura e a descoberta, a partilha e o encantamento. Sem nada em troca porque tudo se faz apenas com uns trocos.

Obrigado meninos, gente miúda com mente crescida. 
Porque, como disse o poeta, “pelo sonho é que vamos...”


                                                                                            adelino pires | alfarrabista | 28 abril 2014

17.10.12

Falar de Cátedra...

João Gabriel Silva, Reitor da Universidade de Coimbra, discursou durante a cerimónia de Abertura Solene das Aulas na UC.

Num salão nobre, mas fora do horário nobre dos media.

Num tom calmo e ponderado,
mas sem o histerismo habitual dos parlamentares.
Fez política sem ser político.

Fez contas sem ser economista.
E, sobretudo, não fez de conta.
 

Pensou no que disse. Escreveu o que pensou. Disse o que escreveu.
Foi ouvido? duvido...
Mas vale sempre a pena, ouvir quem pensa bem!


(http://ucv.uc.pt/ucv/media/abertura-solene-das-aulas-20122013-discurso-do-rei)

15.10.12

O Anti-Ciclone...


Mais que um partido de poder, o PSD é um partido de poderes.
- Em alta, os poderes do comentário (Marcelo, Pacheco Pereira, Marques Mendes…)
- Em baixa, os poderes políticos (Passos Coelho, Miguel Relvas…)
- Em brasa, os poderes locais, que já põem as barbas de molho, ao olhar para o que lhes irá acontecer daqui a um ano, nas próximas eleições autárquicas.

As eleições regionais dos Açores foram o ponto de partida para o que aí vem:
A notória incompatilidade do PSD-partido de (des)governo, com o PSD-partido de poder local.
Com os Açores, o anti-ciclone aproxima-se e, muito provavelmente, o PSD deixará de estar ligado à máquina. Falta-lhe o último suspiro.

14.10.12

...regresso

"com preguiça..." regressa com o regresso de Jorge Sampaio.

Brilhante, a entrevista de ontem na sic notícias.
Perante a situação de emergência nacional, disse tudo. Nas linhas e entre elas:
- que este governo (e estes partidos, acrescento eu), já não têm ponta por onde se lhes pegue
- que eleições, agora, seria adiar e agravar o problema
- que Cavaco (apesar de tudo), vai ter mesmo que se chegar à frente

e apontou o caminho:
a renegociação internacional, sem a qual nada será possível:
- com o PR num périplo diplomático
- com os partidos (todos os que assinaram o acordo), unidos na pressão negocial
- com os parceiros sociais (possíveis) a evitar radicalismos

e porque uma vez mais, o exemplo vem de baixo,
com o Nobre Povo a marcar em cima, porque ainda acredita na Nação Valente!