18.8.14

O Jubilado

Lembro-me de, em meados dos anos 80, se falar do regresso a Portugal de uma sumidade portuguesa na neurocirurgia. Lembro-me bem da chegada de João Lobo Antunes, após muitos anos de permanência nos EUA.

Não cheguei a ser seu aluno, nunca com ele falei, mas sempre me fascinou.

É uma daquelas figuras de dimensão superior. Em que a genética e o talento, com uma profunda devoção à causa e muito, mas muito trabalho, só poderiam resultar num exemplo de excelência.

Nascido numa família da burguesia urbana de Lisboa, João Lobo Antunes licenciou-se em Medicina com uma média superior a 19 valores, passou vários anos nos EUA e regressou a Portugal em 1984. Médico de primeira água e Professor exemplar, fez muito e bem. Foi reconhecido e, por diversas vezes, justamente premiado.

Na véspera da jubilação, na sua última aula, escolheu como tema “Uma vida examinada”. E revisitou-se, falando do tempo, da educação e do sentido da vida. Foi brilhante, uma vez mais.

Há dias, em entrevista ao jornalista António José Teixeira, João Lobo Antunes, falou com a serenidade do mestre  e a lucidez do sábio.

Retive duas ou três frases modelares: 
que sempre o impressionou o facto de num país rico (EUA), se desperdiçar menos que num país de parcos recursos (Portugal); 
que na medicina, é fundamental conhecer o doente que tem a doença e, não apenas, a doença que o doente tem; 
que o consenso mata o compromisso, mas sem compromissos hipotecamos o futuro.

Num momento em que nos faltam elites de referência, não nos podemos dar ao luxo de ver jubilar os melhores e ver partir os mais novos e mais qualificados.

Citando Camões, “o fraco rei faz fraca a forte gente”. 

Não foi o caso de João Lobo Antunes, a quem a Medicina tanto deve e com quem os seus alunos tanto aprenderam.

Resta-me continuar atento, lendo o que escreve, ouvindo o que diz.



Adelino Pires | Alfarrabista, 17 Junho 2014

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